domingo, 5 de fevereiro de 2012
ACHADOUROS (Manoel de Barros)
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só
descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que
ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o
amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras
pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o
nosso quintal é outra coisa.
Aquilo que a negra Pombada, remanescente de
escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre
achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil,
faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús
de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava
a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira
do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco
ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou
hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas
a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio
de punhetas.
BARROS, Manoel. Memórias Inventadas: A infância. São Paulo: Planeta, 2003.
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